“Este relato inicia-se numa tarde de 2005, Vale dizer que tudo aconteceu porque a professora da 1ª série afastou-se por licença médica e a diretora da escola incumbiu-me de assumir a turma por aproximadamente quinze dias. Na oportunidade, fez questão de lembrar que era uma turma considerada muito boa e que minha tarefa se resumiria em dar continuidade ao trabalho da professora licenciada, sem deixar diminuir o rendimento que a turma já vinha apresentando. Assustada diante de tal responsabilidade me senti desafiada e aceitei a substituição temporária.
O primeiro dia transcorreu sem maiores problemas, a não ser por um menininho que sentava na primeira carteira da fila e que se limitou a me olhar fixamente durante a tarde toda, sem esboçar nenhum tipo de emoção ou reação. Já tinha lido e estudado sobre inclusão na minha graduação em Pedagogia. Confiante nos conhecimentos que a universidade havia me oferecido a respeito, fui verificar, em seu caderno, o registro da aula do dia e os conteúdos trabalhados pela outra professora. Qual foi a minha surpresa ao perceber que o seu caderno estava praticamente em branco e, da minha aula, não havia nem sinal de qualquer esboço de registro.
Preocupada perguntei o que fazer diante dessa situação desconfortável e como resposta ouvi que era só dar uma folha e lápis de cor, que ele adorava passar a tarde desenhando. Saí em silêncio, surpresa com o que ouvira.
Nos dias que se seguiram, após entregar as atividades ao Danilo, percebi sua curiosidade diante dos exercícios que estavam na folha. Rapidamente pegava um lápis e tentava fazer, porém a dificuldade que ele tinha em movimentar os dedos, até para segurar o lápis, faziam com que desistisse logo de início. Frente a isso, comecei a observá-lo e qual não foi minha vergonha ao entender que não era o Danilo quem tinha que aprender o que eu propunha, mas eu é que precisava entendê-lo e adequar as atividades ao seu nível de aprendizagem.
Decidi modelar e todo dia deixava que Danilo escolhesse uma cor de massinha para brincar. Para tornar os conteúdos mais fáceis e atrativos, eu trazia músicas e brincadeiras como auxiliares no processo de ensino – aprendizagem. Todos gostavam, inclusive o Danilo, que num rompante, num desses momentos gritou uma das palavras contida na música. Todos pararam de cantar e ficaram perplexos, afinal ele não falava com ninguém, somente balbuciava.
Conhecendo um pouco das dificuldades de Danilo, comecei a buscar atividades que o desafiavam e chamavam sua atenção e que dessa maneira fosse melhorando os resultados. Eu estava feliz e o Danilo mais ainda, pois quando realizava as atividades sentia-se orgulhoso e mostrava para os colegas quando as terminava. Diante disso, construí uma postura de vibrar com ele, cada vez que completava com êxito seus trabalhos.
Gostaria de ter certeza de estar fazendo a inclusão sob todos os aspectos. Acredito na inclusão, mesmo sem certeza de que estou correta nas minhas ações. Tenho consciência das mudanças que causei na vida do Danilo, da autonomia que busco estimulá-lo a usar, da alegria que ele sente ao aprender algo diferente, seja conteúdo ou ações que fazem com que ele se sinta pertencente ao grupo. O Danilo é diferente de todos, eu também, e é nessa premissa que norteio minha ação dentro da sala de aula. Uns tem dificuldades em matemática, outros em língua portuguesa e outros ainda na socialização. A escola é um local de renovação, de mudanças e quebra de paradigmas. A inclusão será somente um nome, se a escola e o professor não estiverem comprometidos com a mudança de atitudes, as quais farão a diferença na vida de alunos que estariam fadados a se conformar com a aprendizagem fragmentada e padronizada, levando à evasão ou ao aumento das estatísticas da educação de jovens e adultos.
O ponto crucial para que a inclusão aconteça, em minha opinião, é a valorização das especificidades de cada um, partir do que a criança já sabe. Não concebo a idéia de que a criança chega na escola sem nenhum conhecimento de leitura e escrita, afinal o que ela pode não saber é codificar e decodificar, mas ler o mundo, mesmo que sob a sua ótica, é um fator que deve ser previsto em todo e qualquer planejamento.
Estou longe de ser uma professora perfeita e, é graças a essa imperfeição que estudo, busco novas alternativas e crio situações para favorecer o aprendizado de meus alunos. Se eu estou no caminho certo, não sei! Apenas acredito que posso ajudar a melhorar a vida dos meus alunos. Não tenho a pretensão de revolucionar o mundo. Só sei que a minha parte naquele momento eu fiz.
A grandiosidade da educação é medida pela consciência e preparo do professor, o qual deve ter em mente, que é dentro de sua sala de aula, em um espaço relativamente minúsculo perante o mundo “lá fora”, é que ele auxilia na construção do eixo que norteia vidas, forma personalidades, presta informações, mede conhecimentos e aprende, com cada um de seus alunos, a importância de cada pessoa para contribuir na construção do mundo.”
Andréia Aparecida Soares Veiga, professora da rede pública de Tatuí/SP.